Impressões sobre a URSS

Em princípio, havia programado escrever este post antes de começar o relato sobre a Rússia, mas, acabei adiando. Fiquei na dúvida se realmente valia à pena postar, pois a questão refoge um pouco ao tema do blog, além de que existe um ligeiro receio de ser mal interpretado (o que no fundo é uma grande bobagem, pois e daí se o for, né?).

Para quem viveu nos países ocidentais nos tempos da Guerra Fria, geralmente a antiga União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) era vista com medo e absoluta desconfiança. Os comunistas eram acusados das mais diversas atrocidades (acusações estas várias vezes pertinentes), mas como sempre fomos insuflados por uma mídia bastante parcial e também por termos sempre sido uma área de absoluta influência dos Estados Unidos, na minha singela opinião, toda e qualquer opinião emitida sobre a antiga URSS deve ser peneirada.

Poster fotografado do livro "Russian Revolutionary Posters", do David King

Poster fotografado do livro “Russian Revolutionary Posters”, do David King

Por essas e outras que um dos grandes interesses que motivaram a viagem à Rússia foi justamente verificar pessoalmente o legado bom e ruim que anos de regime socialista deixaram nas sociedades.

Em primeiro lugar, é conveniente esclarecer que, nas Repúblicas Bálticas, o sentimento russofóbico é bastante difundido. Claro que ele se explica, pois não é nenhuma grande felicitação ter sua soberania e autodeterminação massacradas por um período de mais de 50 anos em que permaneceram sob o julgo soviético.

Poster fotografado do livro "Russian Revolutionary Posters", do David King

Poster fotografado do livro “Russian Revolutionary Posters”, do David King

As consequências deste período são bastante evidentes, para se ter uma ideia, Riga, a capital da Letônia, possui até hoje cerca de 40% de sua população composta por pessoas de etnia russa, que se recusam a falar o letão, o idioma oficial. Na Lituânia, que eu não visitei, aparentemente, é proibida a publicação de qualquer documento, cartaz, letreiro, livro… em língua russa. Riga, apesar de ter sido durante muitos anos a terceira maior cidade do Império Russo – acredito também que da URSS – não foi realizada a construção do metrô, como seria normal, pois, para o andamento do projeto, seria necessário o deslocamento de mais mão-de-obra russa para lá, o que não era do agrado dos letões… Os exemplos são vários.

Depois da queda da URSS, esses países reclamaram vultosas indenizações em face da Rússia. As negociações ainda estão em aberto, como se pode verificar pelo teor da reportagem extraída do site Voz da Rússia.

Ocorre que, pelo conteúdo da reportagem acima citada, o processo de russificação da área não foi realizado por meio de conquistas (não irei retificar o meu outro post porque a matéria do jornal russo pode também ser parcial). Aparentemente as terras onde estão situados os Países Bálticos foram compradas pelo Império Russo. Mais uma vez, isso, em princípio, explica, mas não justifica a opressão de um povo por outro… Mas fica difícil de se ter uma visão justa da situação, na minha opinião.

De qualquer maneira, a russofobia desses países foi também incitada pelo Ocidente. Quando do desmantelamento da URSS, a Bielorrússia e os Países Bálticos eram as repúblicas soviéticas que estavam em melhor condição econômica. A Bielorrússia não se afastou da Rússia e hoje em dia é a única ditadura que ainda existe dentro do continente europeu, ao passo que os Países Bálticos receberam enorme ajuda financeira do Ocidente, tendo, inclusive, ingressado rapidamente na Comunidade Europeia.

Não há necessidade de grandes elucubrações para perceber que a equação composta por pequena área territorial, população diminuta bastante concentrada nas capitais (Vilnius, Tallinn e Riga) e ajuda financeira do Ocidente, que tinha um enorme interesse em demonstrar para o mundo o fracasso do Comunismo, fez com que esses países se desenvolvessem mais rápido. Tenho para mim que a situação seria bastante outra, se o Ocidente não tivesse metido o seu bedelho. Talvez estes países, hoje, estivessem vivenciando uma crise tal qual ocorre na Ucrânia (a título de curiosidade, a federação ucraniana como existe atualmente foi composta de forma artificial, sendo que vários territórios que hoje a integram eram parte da Rússia).

Poster fotografado do livro "Russian Revolutionary Posters", do David King

Poster fotografado do livro “Russian Revolutionary Posters”, do David King

Não é mentira, também, que não era possível viajar para fora dos limites da URSS (nem mesmo para os países da Cortina de Ferro), havia uma crise de abastecimento, em vários locais havia fome (a fome que assolou a Ucrânia em 1932 é considerada um dos maiores crimes cometidos pelo camarada Stalin contra a Humanidade), pessoas sumiam no meio da noite e eram postas em prisões sem qualquer obediência ao devido processo legal…

Por outro lado, como nos foi esclarecido por uma de nossas guias em São Petersburgo, as pessoas tinham acesso à moradia (o Estado dava uma casa ou um apartamento, que, caso não satisfizesse às necessidades da família, a residência poderia ser trocada por outra), havia garantia de emprego e de benefícios trabalhistas, havia vaga para todos no sistema de saúde (apesar de que a ajuda da família para tratar dos doentes internados era mais do que bem-vinda), havia acesso à educação de altíssima qualidade… Hoje em dia, na Rússia, os salários médios giram em torno de 6 mil rublos (cerca de R$ 300,00), sendo que um aluguel de um apartamento pequeno em São Petersburgo gira em torno de 4 mil rublos, a maioria das vagas nas boas universidades tem cartas marcadas, não existe qualquer seguro desemprego e a saúde é bastante precária…

Poster fotografado do livro "Russian Revolutionary Posters", do David King

Poster fotografado do livro “Russian Revolutionary Posters”, do David King

A nossa guia em Moscou, uma senhora mais velha, foi enfática: de forma alguma se deve voltar ao regime comunista, mas que a realidade do atual capitalismo russo, capitaneada pelo Putin e pelo Medvedev é igualmente horrorosa.

Qual o caminho certo? Não sei dizer. Só sei que não acho correto esse modelo neoliberal que o mundo insiste em seguir… Que tal o meio-termo?

Por fim, informo que as fotos que ilustram este post provavelmente não têm nada a ver com o conteúdo do meu texto, são meramente ilustrativas.

Sobre andrerj75

Eu me chamo André. Sou morador do Rio de Janeiro. Desde pequeno, fui acostumado a viajar com os meus pais para países diferentes e a apreciar as mais diversas expressões artísticas e culturais, o que mantive de bom grado já adulto. Também, desde pequeno, ganhei um fascínio pelo estudo de História, que se acirrou à medida que os anos foram passando. Nesse contexto, sou frequentemente abordado por amigos e por conhecidos - às vezes até por pessoas estranhas - pedindo dicas de viagens e solicitando que eu tente organizar pequenos roteiros para ajudá-los em suas férias. Resolvi unir o útil ao agradável e dei início a este blog. Escreverei sobre as minhas viagens na tentativa de passar as minhas impressões sobre os lugares que conheci. Na medida do possível, darei dicas de hotéis, de restaurantes e de lugares para passear. Não tenho qualquer compromisso com a cronologia, escreverei sobre o que der vontade. Agradeço a participação de todos!
Esse post foi publicado em Estônia, Letônia, Rússia. Bookmark o link permanente.

6 respostas para Impressões sobre a URSS

  1. Olá André!
    Concordo realmente contigo. Visitando os países que pertenciam à hegemonia da antiga URSS pude notar que é possível ver os dois lados da moeda, várias odeiam os russos e alguns os defendem até a morte.

    Como você, essa imensa vontade de ver o lado dos russos me motiva a conhecer mais desse país, um lugar tão longínquo para nós brasileiros e inclusive para os próprios europeus. Alguns me perguntam o que eu vou fazer por lá e por que Moscou?! É essa vontade de conhecer os lugares em loco e viver a história que realmente me motiva a continuar viajando, a cada lugar novo é algo que vou adquirindo que nenhuma faculdade ou sala de aula pode proporcionar.

    Conheci uma moça em Budapeste que me disse, que antes eles não podiam viajar pra outros lugares a não ser para os países comunistas, achei bastante interessante e chocante até. Enfim, essa vontade de conhecer a história do mundo por si só já é um bom começo para todos que amam viajar!
    Abraços

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    • andrerj75 disse:

      E é muito mais interessante você visitar um lugar já tendo lido um pouco sobre a História do país.

      Sobre essas questões envolvendo o Comunismo, eu falei bastante nos meus posts sobre o Museu da Ocupação de Tallinn e sobre o Hotel Viru & Museu da KGB, também na capital estoniana.

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  2. K disse:

    Gostei das suas reflexões e acho que é mais ou menos por ai. O ocidente (principalmentr EUA) ajudou muito a propagar a russofobia. Desdr que passei a conviver com poloneses isso fica cada vez mais claro na minh cabeça: uns amam outros detestam. Eu sempre penso que as pessoas nao deviam ser tao radicais, entre o bem e o mal tem muita coisa no meio, muitos nuances. E acho, ainda, que eles deviam ser pratcos e pensar na sobrevivência já que a maiori desses paises ex-URSS ainda dependem da russia tanto pra vender producao agricola como pra comprar o gas deles. Nao tme jeito tood esse povo tem a mesma origem (eslavos) e podiam tentar ser mais diplomaticos pra evitar conflitos em que no final todo mundo sai perdendo algo.
    Ixi ficou enorme! Gostei das reflexoes!!
    Bjs

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    • andrerj75 disse:

      Oi K:
      Obrigado pelo comentário. Compartilho do mesmo sentimento que você, por outro lado, acho a política imperialista russa atual também bastante deletéria, mesmo que os territórios ucranianos que são objeto dos atuais conflitos, historicamente sejam locais de influência russa.
      Não curto muito essa mania que há de só enfatizar o lado ruim do Comunismo, esquecendo os avanços sociais.
      Beijo.

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  3. Nadia disse:

    André, não consigo parar de ler seu blog… acabei de chegar de Riga, Tallinn, Moscou e São Petersburgo e está sendo ótimo ler suas impressões sobre a mesma viagem. Vou continuar vindo aqui ainda pelos próximo dias, pelo menos! abraços

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    • andrerj75 disse:

      Oi Nadia! Obrigado pela visita e pelo recadinho. Que bom que você gostou do blog! Estou acabando os relatos sobre Piter e pretendo ainda está semana começar a falar sobre Moscou. Fique à vontade para entrar sempre que quiser! Abraços.

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